sábado, 9 de junho de 2012

8- "Até a Morte tem coração"


Eu me sentia tonta e fraca, como se tivesse caminhado o dia inteiro só me alimentando de soja. E ainda por cima alucinando. Sim, porque era difícil acreditar que aquilo que estava acontecendo comigo era, de fato, real. Sei que meus últimos dois dias não foram os melhores, mas voltar no tempo e conversar com a...Morte? E você ainda duvida que minha vida não seja bacana?
Eu estava de olhos fechados murmurando “Isso não está acontecendo comigo, não está acontecendo comigo. Vou abrir os olhos e ainda estarei em frente à Torre Eiffel.” E realmente, quando abri os olhos ainda estava em frente à Torre Eiffel: não exatamente onde eu queria e com as pessoas que eu queria, mas estava.
E o velho que dizia ser a Morte me encarava.
Com um grande ponto de interrogação no ar.
Ao meu lado os nazistas passavam sem me notar.
Por fim, convencida que não estava alucinando, disse:
– Então, senhor Morte, vamos conversar sobre a minha trágica vida.
– Claro, e se seu amigo ai – e apontou para Eduardo, que estudava os soldados atentamente – nos der licença.
– O que quer dizer com isso? Eu quero que Eduardo fique.
– Eu quero conversar com você, Catherine. Com você. Ele pode voltar para o ano de 2011. – E quando viu minha expressão questionadora, explicou. – Fui eu que capturei Smain, afinal, era quase impossível ter um encontro com você com toda aquela proteção...E ela agora está bem, está com Lenin no ônibus e... – olhou para Eduardo, que agora desaparecerá – também está seguro agora. Só quero alguns minutos do seu tempo, se não se importa. Por favor. É de seu interesse.
– Sim, mas... – ideias começaram a surgir na minha cabeça. – Foi o senhor quem mandou aquele cara me seguir?
– Cara? – repetiu. – Que cara?
– Nada. Nada. Ninguém. – Se não foi ele, quem foi?
A Morte pigarreou e fez um gesto para que eu o seguisse, e começamos a andar ao lado dos nazistas. E por mais incrível que parece e também vergonhoso, eu estava mais lenta que a Morte. Ele se virou, já mais na frente que eu, um olhar de preocupação estampando seus olhos:
– Aprisionar todos aqueles anjos não foi fácil como pensou, não é?
–  Aprisionar? Eu... – e me lembrei dos anjos virando pó, aquilo parecia ter acontecido a séculos.
– Aprisionar, sim. Ou acha que os destruiu? Ah, Lohan. Não tem poder pra tanto...
– E...onde eu os aprisionei? – Minha voz estava tão cansada que era quase um sussurro.
– Vão simplesmente deixar de existir por um milênio. Depois voltaram para o Império. E isso é muito interessante, só Miguel tem esse poder...parece que herdou dele, não?
Não respondi, não queria, não podia...estava cada vez mais exausta.
Sentei-me no chão, não me importando se a Morte queria ou não andar. Ele teria todo o tempo do mundo para isso.
Ele se sentou ao meu lado e por um tempo nada disse, e então começou a tagarelar:
– Você deve imaginar que eu talvez tenha gostado disso tudo: das guerras em geral. A Morte gosta de mortes, não? Não, eu não gosto de morte e destruição. O que me lembra o trecho de um livro, que infelizmente, não me recordo o nome agora: Até a Morte tem coração. Quem afinal gosta da morte? É a destruição, a dor emocional e física, é miséria, é por tudo, tristeza.
“Imagina você morrer pela honra do seu país? Um povo, um Império, um Líder. Imagina morrer por seguir uma religião, imagina morrer por simplesmente desejar a liberdade? Ninguém gosta da morte, no fundo, todos a temem. Todos temem a mim.”
“Mas só faço o meu serviço, criança. Só vago pelo mundo apanhando almas. Almas que eu desejo por tudo nesse mundo que sejam puras, honestas e – por Deus – que tenham feito algo de bom por alguém, pelo mundo. Mesmo que tenha morrido por amor, homicídio, suicídio, doença ou honra. Que tenha feito algo de bom...que tenha amor no coração.”
– Perdoe-me. Mas o que isso tem comigo?
Ele ignorou minha pergunta.
– Olhe em volta: eles estão honrando seu país. A minha França destruída. Oh, nenhuma época foi pior para a França do que esta. A minha vontade era levar todas essas almas podres e cheias de ódio, que sujaram o mundo. – A Morte parou e se virou para mim. Havia tanta dor em seus olhos, que prometi a mim mesma nunca dizer que a Morte era má. – E isso vai acontecer de novo. Com ou sem você no mundo. Vai acontecer. O maior banho de sangue na historia da humanidade. Mesmo que você lute. Mesmo que volte para casa e continue sua vida.... O que quero dizer, minha jovem, é que você vai lutar, vai ter o que necessita mas...
– Do que adiantará? Estará cercada pelas trevas. – Completei, e um silêncio pairou sobre nós.
– Você podia desistir.
Encarei o velho a minha frente, mas ele não olhava para mim, observava os nazistas. Pensei por um momento no que ele disse. Em outras palavras “Haverá um banho de sangue e você será só mais uma vítima. Desista que é mais fácil.” Pelo menos, foi isso que entendi.
– Não vou desistir. – Minha voz soou mais firme do que eu realmente estava.
– A própria profecia prevê seu fracasso.
– QUE SE FODA A PROFECIA! – gritei, e isso me fez ficar tonta. Balancei a cabeça, tentando me acalmar. – Não vou desistir. Não vou.
A voz da Morte era calma quando falou comigo.
– E você acha que seu pai merece isso?
– Ele salvou minha vida.
– Ele é seu pai. Daria a existência dele pela sua. Afinal, foi exatamente isso que ele fez, não Lohan? Ou nunca lhe contaram sobre o dia do desaparecimento de Miguel?
– Do que está falando?
– Ora, você foi seqüestrada no dia 9 de Outubro. Ou estou enganado?
Coloquei minha cabeça sobre os joelhos, queria por tudo descansar e fugir daquele assunto.
–  Está enganado...eu estava em casa nesse dia e nada de estranho aconteceu comigo.
O que era em parte uma mentira, porque naquele dia eu acordei suando por causa de um pesadelo horrível, que envolvia cenas de luta e morte, mas era um pesadelo...só um pesadelo. E eu podia ter certeza que ficara a noite toda em meu quarto.
– Então você não se lembra. Bem, fico surpreso que não tenham lhe contado a verdade. Quer que eu a conte?
– Vá fundo.
– No dia do seu seqüestro ouve uma grande falha especialmente sua, lembra-se do que fez na manhã do dia sete?
Forcei a memória, mas não muito, sabia do que ele estava falando.
– Briguei com minha e sai de casa. Mas eu voltei...na noite do dia oito.
– Sua proteção era válida apenas se você permanecesse na sua casa e não saísse de lá até os 16 anos.
– Mas eu não morava lá antes. – Observei.
– Não, a proteção era na sua antiga casa. Mas deixe-me explicar melhor: a sua proteção era válida apenas se você permanecesse morando na casa protegida, se isso acontecesse ninguém te acharia. Disso eu sei muito bem. – A Morte deu um sorriso sarcástico e logo voltou a ficar sério novamente. – Mas então você saiu de casa...e era a brecha que Louis precisava para te seqüestrar, e isso aconteceu na tarde do dia oito e durou até a madrugada do dia nove.
– Mas eu voltei na noite do dia oito – interrompi.
– Isso foi à lembrança que implantaram em sua mente. Na tarde do dia oito, eles lhe seqüestraram e a mantiveram em cativeiro no inferno. Você tem muita sorte de não se lembrar de nada, seria um grande trauma para você. Porque o inferno é terrível, sei disso por experiência própria – ele pigarreou e continuou com a história. – Miguel e todo o Império foi informado disso à noite. E é claro que Miguel já havia desaparecido muito antes de terminarem de falar, o que deixou todos em desespero...porque dizia claro na mensagem mandada por Louis...
– Mandada como?
– Por um anjo da guarda...Louis é muito mais poderoso que um anjo da guarda. Mesmo sendo um demônio, foi muito bem abençoado por Lúcifer quando foi criado. Em todo o caso, quando o anjo chegou aos berros no castelo principal, gritando “Filha de Miguel seqüestrada! Presa no inferno e acorrentada pela morte” foi um impacto em todo o céu. Primeiro por todos nem saberem da existência da filha de um arcanjo, e segundo por ser Miguel...Miguel! Bem, ele já havia sumido muito antes dos “Oh” e já estava na entrada para o Inferno muito antes de dizerem “acorrentem Miguel”.
– Acorrentem? Por que?
– Porque é um grande pecado, não sei como Miguel escaparia se saísse vivo do Inferno, mas acho que ele não pensou muito na hora. Quando chegou nas portas do Inferno, que é claro que não vou te dizer onde é, Louis já te esperava. Ali mesmo eles fizeram um acordo, cobertos por uma névoa de ilusão, para que os anjos que procuravam Miguel não os vissem. Miguel recusou ir ao Inferno para conversar.
A Morte parou, estudou-me atentamente e coçou o queixo, como se pensasse se era certo dizer o que estava na ponta da língua. Ele voltou a olhar para os alemães que passavam a nossa frente e disse:
– O acordo era sua vida por Miguel. Louis teria que te devolver para sua casa, onde estaria protegida até o dia 11 de Novembro; apagar a memória aterrorizante do Inferno e implantar outra, em você e na sua ; Curar os seus ferimentos físicos...ele havia te agredido muito naquele dia...e nunca, nunca mais, te seqüestrar novamente. Eles fizeram um juramento a sangue. Nesse juramento, se você o quebrar, você morre. Não importa se é imortal ou não. Você morre.
Se tudo aquilo era mesmo verdade, por que todos haviam mentido pra mim? Uma missão de Miguel? Eduardo, Kristen e Dan não me contaram nada...e eu pensando que podia confiar neles.  
Mas duvidas começavam a crescer na minha cabeça. Por que Miguel, meu pai, se entregou a Louis de tal maneira? Amor paterno? Duvido.
– E ele se entregou assim, sem lutar?
– Miguel nunca foi muito inteligente, mas vendo pelo lado dele, com todo o Império a sua procura e sua filha querida presa nas mãos de um demônio. Bem, eu não teria feito diferente. Mas a verdadeira razão de Miguel ter feito isso eu não sei. Terá de perguntar a ele. Se isso você conseguir entrar no Inferno e salvá-lo. O que acho muito improvável.
– E por que acha isso? Sou, pelo que me contaram, uma das criaturas mais poderosas já existente. Sou a filha do maior arcanjo, o que faz de um simples nefilim uma formiga invulnerável – tirei toda a minha força e minha coragem para colocar naquelas palavras seguintes. – Meu pai está trancafiado no inferno por minha culpa. Se alguém vai ir até lá e fazer Louis em pedacinhos, esse alguém sou eu. Não vou deixar meu pai lá. Nem que eu tenha que enfrentar o diabo.
A Morte apenas me olhou, sua expressão continuava impassível e inexplicável, mas ele fez um gesto afirmativo com a cabeça e fez surgir uma grande espada em sua mão. Uma espada toda de ouro e cabo de prata. Bem maior que meu braço e parecia ser mais pesada do que eu...parecia.
– Essa não é...a...
– Uma das espadas da Morte? Sim, é. E estou lhe emprestando, Lohan. Veja bem, lhe emprestando. Você tem até o solstício de inverno para entregar-me. E é bom lembrar: estará levando uma grande arma contigo, Lohan. Talvez, quando a tocar não sobreviva. Mas se for forte o suficiente sobreviverá. Isso depende de você e seu espírito.
– Mas...o senhor é um dos espíritos da Morte?
– Não. O primeiro espírito me entregou quando se...aposentou. Ela agora é minha. E ninguém mais além de mim e os Espíritos podem carregá-la por muito tempo. E você tem até o solstício de inverno.
– O que vai acontecer se eu não devolver até lá?
– Nada. Mas se fizer o juramento a sangue, morrerá. E você vai fazer, Lohan. Sinto muito, mas não saio entregando minha espada pra qualquer um ai sem garantia que vão realmente me entregar...você entende, não é?
– Sim...como faço o juramento? – eu estava um pouco fraca, mas um juramento não poderia tirar toda a minha energia, poderia?
– Então você está ciente que pode morrer se tocar na espada?
– É uma probabilidade.
– Ciente ou não?
– Estou.
Uma adaga surgiu em sua mão direita, a Morte deixou a espada no chão enquanto cortava a mão esquerda com a adaga. Algo branco escorreu de sua mão.
– Juro entregar essa espada a Catherine Lohan, com ela ciente da probabilidade de morrer ao tocá-la.
Ele entregou a adaga para mim e cortei minha mão direita, doeu, mas era por um bom motivo.
– Juro entregar essa espada a Morte no dia do solstício de inverno.
A Morte estendeu sua mão para que eu a apertasse. Apertei-a e nossos sangues se juntaram, uma fina luz branca envolveu nosso aperto de mão, e tão rápida como veio, desapareceu.
Logo depois ele me entregou a espada, hesitei, vi dó nos olhos da Morte, pois ele sabia: eu ia morrer.
Peguei a espada com determinação. Na mesma hora uma dor me envolveu e me prendeu, deixando-me invulnerável. Todo o ar dos meus pulmões simplesmente sumiu. Eu não respirava e meu corpo doía. Todo ele, desde o dedão do pé a raiz do cabelo. Era como se eu estivesse sendo esmagada por um caminhão de cinco toneladas. Invulnerável.
Flashbacks  de toda a minha vida passaram na minha mente: minha mãe me empurrava em um balanço, eu tinha sete anos e sorria como se aquilo fosse a melhor coisa do mundo; eu chorava no colo de minha pela morte de minha mãe; o dia em que Sam me pediu em namoro; Lucia – minha melhor amiga humana – e eu fugindo as escondidas para uma festa; e Eduardo...a imagem de Eduardo sorrindo bobamente pra mim era insuportável, sua voz sussurrando meu nome, seus olhos...um abismo sem fim...Eu precisava dele. Precisava vê-lo novamente.
E de repente eu abri os olhos, arfando. Meu corpo ainda doía e eu ainda estava em 1940. Deixei minha cabeça cair de lado e vi a Morte me observando, intrigado. Era tanta dor! Eu queria a morte mais que tudo e ironicamente ela estava bem ali, ao meu lado, me observando.
– Um calcanhar de Aquiles, Lohan? – sua voz era distante, como se pertencesse a outro mundo. –  Oh! Catherine Lohan, o pecado de Miguel, perdidamente apaixonada por Eduardo McLean. Ah, Lohan! Lembre-se: Coração destruído. Amor proibido.
Um grito agudo soou pela minha boca e me espremi de dor. Eu não enxergava e não ouvia nada. Não sentia nada. Só dor. A dor era tudo que eu podia me agarrar.
Eu era uma boneca de pano tentando vencer uma tempestade.


Cathy Lohan e os Espíritos da Morte
Por: Carol C.

7 comentários:

  1. Carol, se quer que eu te mate né??
    Como você termina ai??
    Ta muito bom!!!
    Quero mais *----------*

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  2. Otimoooo, nossa estou viciada
    quando chega ao fim da postagem eu fico super ansiosa para que chegue a próxima
    ta muuuito linda a Historia tá
    parabéns

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  3. waaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar
    muito muito muito bom mesmo
    ansiosa pra ver o próximo.

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  4. NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOSSA, você é muito bom escrevendo e a historia MARAVILHOSA!

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