– Deixa-me ver se entendi direito: Kris tem um “amigo” que
mora em São Paulo e amanhã vamos procurá-lo e tentar arrancar alguma informação
útil dele. É isto? – ergo uma das sobrancelhas. – E se ele não saber de nada?
– É uma possibilidade – Eduardo encarava o vazio enquanto
arrastava as palavras; já era tarde da noite e podiam-se ouvir apenas alguns
murmúrios no avião. – Se acontecer, não desistiremos. Temos mais opções.
Eduardo tinha acabado de trocar suas roupas no pequeno
banheiro do avião (Uma missão impossível, dissera. De tão pequeno o recinto).
Agora usava uma camiseta preta, jeans pretos e All star também pretos. Ele
tinha ficado um pouco moreno nos últimos dias – não sei dizer se por causa do
sol quente do Paraguai ou se eu estava
cada vez mais pálida. Nossos braços se tocando de leve deixavam transparecer
que a segunda opção era mais coerente e aceitável.
Seu toque era presunçosamente quente, a tal modo que me
eletrizava. Não iria enganar a mim mesma para os sinais que apontava como setas
de transito: Estava me apaixonando.
Apaixonada. E o que minha intuição dizia e também o que via, era que
Eduardo também...gostava de mim.
Mas eu tinha um namorado em Nova Jersey, que me amava e
esperava-me. Quanto a isto, não sabia o que pensar ou fazer.
– E estamos ficando sem tempo Eduardo – aponto para a tela
do meu Iphone –, já é final de mais um dia. Temos três dias para conseguir duas
espadas, que não temos a mínima ideia de
onde estejam. E você fica com pensamentos positivos sobre futuras opções?
Ele balança a cabeça como um pai decepcionado pelas atitudes
da filha; aquilo me irritou.
– Seja menos negativa Cathy – novamente ele passa a mão nos
cabelos. – Se as coisas estão ruins...
– Podem piorar – completo. Puxo o moletom até os joelhos e
me encolho na poltrona, apoiando a cabeça na janela para observar o céu noturno
brasileiro...quase sem estrelas.
Eduardo encosta a cabeça em sua poltrona e fecha os olhos
negros e torturantes. Ninguém estava pensando em dormir com tão pouco tempo de
viagem até São Paulo; dei de ombros e olhei para o relógio: meia noite e dez.
Com o atraso do vôo, as paradas e trocas de avião; acabamos por passar um dia
inteiro viajando. Tudo porque Alice não queria acordar cedo. Abri meu diário e
antes de escrever qualquer palavra, uma ideia perpassou minha mente.
Alice? Chamei via
pensamentos.
Fala garota. Ela
estava sentada na poltrona à minha frente, ao lado de Kristen. Por causa das
orais discussões com Eduardo (assuntos tão banais que até uma criança os
mandariam calar), resolveu que sentaria ao lado de Kris nesta viagem. Não
tínhamos nos comunicado até agora.
Uma pergunta.
Pensei nas palavras certas antes de falar, não queria magoá-la. Eu, por acaso, poderia fechar minha mente
para que você não a lesse? Tipo, é uma
questão de privacidade...
Sua voz fina e enjoativa encheu minha mente.
Não estou lendo sua
mente Cathy. Nem seus sentimentos. Acontece às vezes de nossas emoções se
envolverem...apenas isso.
Até pensando consegui gaguejar.
Mas...você
disse...quero dizer...
Eu sei o que disse,
retrucou. E sei também que é
desnecessário ficar invadindo-a desta maneira. Relaxe, esta livre para pensar o
que quiser.
Acho que ela sorriu.
Confie em mim,
murmurou. Seus pensamentos não são nada
interessantes.
Ri baixinho para não espantar ninguém.
Obrigada, obrigada.
Fico comovida.
Depois da melhor noticia que se pudesse receber num começo
de dia, abri meu pequeno diário e escrevi sem parar.
Antes é claro, uma boa playlist.
Oásis.
Dezembro, 18 de 2011.
Lá vai:
Apesar de tudo que vem me acontecendo
(principalmente a morte de meu amigo Daniel, que ainda me abala muito todas as
noites), sinto que não trocaria por vida alguma a que estou vivendo agora. É
como se finalmente estivesse encontrado meu mundo – viajar, lutar,
amar...seguir em frente. O meu lugar. Talvez pra uma pessoa que prefira coisas
calmas e uma vida rotineira não goste do que tenho passado. Mas para mim é como se eu tivesse nascido
para isso, por mais que meu jeito mostre o contrário; minha forma física;
minhas características. É por dentro que tudo vem mudando.
Eu nasci para isto. E não
estou preparada. Estou?
Complicado, extremamente
complicado. Acho que posso complicar mais.
Deixe.
Para.
Lá.
(Não vou mais gastar as
linhas do diário com bobices. Oh! Estou falando sério).
A madrugada mal começou e
já tenho a noticia mais brilhante que poderia imaginar – Alice não gosta de
meus pensamentos.
E quem gosta? Tenho dó do
curioso que um dia abrir este caderno. Ok, ok. To aqui mordendo o pingente de
meu colar que ganhei do Eduardo.
Sim. Exato. Uma asa linda.
Opa, estou
me empolgando e isto ta ficando enjoativo. Deixa, deixa, deixa para lá. Acho
que estamos chegando no aeroporto de Guarulhos, São Paulo. Eduardo acordou de
sua soneca e parece que vamos
Pousar. Eu ia escrever
isto. Estamos em um hotel moderno e encantador de São Paulo. Kris ta mandando eu apagar a luz...
Quando terminei de escrever as reticências, Kris socou meu
braço. Soltei um “ai” impaciente. Era aproximadamente duas da manhã e ela
querida de todas as maneiras a luz apagada. Eu queria ficar escrevendo bobices
em meu diário. Insônia. Todo mundo tem insônia.
– Cathy. Estou cansada e se ainda não percebeu temos que
acordar cedo amanhã.
Ela não soou rude nem egoísta como geralmente Alice me
tratava. Apenas sonolenta. Apaguei a
única luz acesa do quarto de hotel e guardei o caderno-diário secreto embaixo
da cama.
– Até quem fim – exclamou Alice do outro lado da cama. Kris,
Alice e eu estávamos dividindo uma cama de casal; como nós três éramos magrelas
e não muito espaçosas, concordamos em dormir juntas. A outra cama, a única de solteiro, a um metro
de mim, aconchegava Eduardo.
E era aquilo que estava me tirando o sono: Eduardo dormindo
tão próximo de mim.
Ele roubou meu sono e suspiros naquela noite.
– Cara. Saí desse banheiro! – Uma dica: nunca, jamais, nem
sequer pense em dividir um quarto e um
banheiro com três pessoas. Eduardo estava há 33 minutos embaixo do chuveiro.
Sei que é 33 minutos porque contei no relógio. Faltava apenas eu me arrumar e
Eduardo não saía do banheiro. – Vou arrombar esta porta. Pouco me importo de te
ver pelado!
[Não estava pensando com muita clareza naquela hora, por
isso disse uma barbaridade como esta. Claro que me importo de vê-lo nu...Quero
dizer, não queria vê-lo nu, mas sim...ah, esquece!].
– Menina chata – ele gritou do banheiro. – Já vou sair.
Dei um chute na porta sem pensar, e ela se abriu. Eduardo nu
me encarou perplexo.
– Ah meu Deus! – E fechei a porta, mal respirando. – Meu
Deus – sussurrei, cobrindo a boca com a toalha de banho –, meu Deus.
Minha sorte é que Alice e Kris tinham descido para tomar
café; elas teriam me perturbado com o “incidente”. Até ele desligar o chuveiro
fiquei rindo como uma boba no quarto, sem saber se corava ou batia a cabeça na
parede.
Baguncei meus cabelos molhados e ondulados, respingando água
no rosto de Eduardo. Ele limpou as gotas d’água dramaticamente e se curvou
sobre mim. Tentei me afastar, andando para trás. Um erro terrível pois tropecei
na cama de solteiro e ele teve que me segurar pela cintura para que eu não
caísse.
– Opa. – Rimos.
Eduardo era mais alto que eu – minha cabeça batia em seus
ombros largos. Ele estava novamente todo de preto e seus cabelos também estavam
molhados. Agora imagina um homem desse. Consegue? Aplique ele te empurrando contra
a parede do quarto; você não tem pra onde correr...E ele ainda esta sorrindo de
canto de boca...tentador não acha?
E sua boca estava próxima demais da minha. Podia sentir sua respiração, seu corpo, seu rosto
me preenchendo. Ele apoiou sua testa na minha, se naquele momento estava
sorrindo eu nunca soube, meus olhos fechados apreciavam o momento...Seu rosto
colado no meu...E uma porta bateu.
– Ah, merda! – exclamou Kristen. Levei um baita susto e sai
dos braços de Eduardo, corando. Kris pegou um celular em cima da cama onde
dividimos e o colocou no bolso da calça. – Desculpa, não sabia que vocês...
Fiz um rápido aceno de mão e sorri para acalmá-la.
Aproveitei para pegar meus óculos também em cima da cama.
– Onde esta Alice? – perguntei para mudar de assunto. –
Estou morta de fome, preciso comer.
Ela já estava saindo sem me responder, antes de fechar a
porta sussurrou com malicia.
– Camisinha, hein? – E fechou a porta. Depois daquilo eu não
soube com que cara encarar Eduardo, invés disso, achei minha bolsa e corri
sorrateiramente atrás de Kris, tão corada que podia ser facilmente confundida
com um pimentão.
O hotel onde nos hospedamos era pequeno, pois não
pretendíamos passar mais que um dia lá. O nosso plano era encontrar o amigo de
Kristen naquela mesma manhã – não tínhamos tempo para perder. Então dormimos no
primeiro hotel que vimos. E não foi uma má escolha: acolhedor e arrumado o
ambiente. Quatro andares e quase todos os quartos ocupados, por onde eu passava
no corredor tinha, ou um quadro ou um vaso repleto de flores vívidas; ou um
hospede sorrindo com a delicadeza do lugar. Se começasse a sair bolhas de sabão
do teto eu não me surpreenderia.
Desci o elevador para o primeiro andar, onde as meninas
estavam tomando café no pequeno restaurante do hotel.
Arranquei uma linha solta do meu short jeans e puxei a blusa
para o quadril. Calçando um par de All star cano médio vermelho, estava ficando
cada vez mais deslocada no lugar. – Quase todas as mulheres usavam vestido de
verão e sapatilhas. Fiquei feliz em ver Kristen e Alice de jeans e camiseta.
Caminhei até elas enquanto secava meus cabelos curtos (ainda não sentia falta
de tê-los grandes), o tempo todo pensando no quase beijo com Eduardo. Mordi com
força minha boca para não sorrir com a lembrança.
– Bom dia – Alice comprimento. – Onde esta Eduardo?
Mordisquei um pedaço de bolo e servi-me de café puro, sentei
junto delas na mesa. Com a boca cheia respondi:
– Sei lá.
Kristen parecia um cachorro culpado. Ela não podia
simplesmente fingir que não viu nada? Mas ela tinha que voltar ao assunto.
– Estraguei tudo não é? – Ela passou o cabelo para trás da
orelha. – Olha, não foi minha intenção...você sabe que não...Ah droga ele ta
ali...!
E parou abruptamente de falar ao ver Eduardo surgindo atrás
de mim. Fingi estar interessada ao máximo na xícara de café, apesar de não ser
uma cor que eu gostasse – rosa claro com corações vermelhos. Quase a derrubei
propositalmente no chão (“Oh. esbarrei!”).
– Corações? – Eduardo apontou para a xícara, fazendo uma
fingida expressão de surpresa. – Sua cara.
Aquilo foi
irônico.
Alice pigarreou e saiu da mesa em direção a um garçom.
Conversou em um português perfeito com ele e voltou para a mesa. Ou melhor,
tirou o café de mim e a torrada de Kris a força.
– Vamos logo – chamou apressada. – O táxi nos espera.
Todos nós seguimos para o táxi estacionado na frente do
hotel. Ele era branco, não amarelo. Fiquei surpresa, não por muito tempo: mal
pisquei e já estava dentro dele, Kristen a minha esquerda e Eduardo à direita.
Alice ao lado do taxista alto e moreno. Lembrei do ultimo táxi que havia
entrado, o de Benet em Nova Jersey...e tudo aquilo talvez nem tenha existido –
minha mente a grande criadora.
Por todo o tempo da viagem foi um silencio absoluto dentro
do carro. Às vezes Eduardo esbarrava os olhos em mim, eu logo os desviava. Não
valia a pena investir em um romance ao lado dele...valia? Eu não queria estar apaixonada por ele. Sempre
enganada.
Quase dormi pelas duas horas de carro; não tinha interesse
algum em olhar para fora da janela. Tudo parecia sem graça e sem emoção...Kris
parecia estar adorando até o ar.
– Que lindo! – sempre exclamava. Não via nada de lindo num
sol útil para fritar ovo. Assim fechei os olhos e lentamente minha cabeça
escorregou até o ombro de Eduardo. Ele gostou de brincar com meu cabelo.
Subitamente estávamos cercados por árvores tão altas que
impedia a luz do meio dia invadir meu espaço pessoal. O taxista dirigia por uma
estrada de terra e de alguma forma isso não fez parecer que estávamos em uma
cidade antiga do interior, mas numa fazenda – uma grande fazenda – longe da
vida urbana.
As árvores pareciam não ter fim e pensei como seria bom
morar ali: longe de qualquer problema ou pessoas erradas...aquele lugar poderia
ser chamado de “liberdade” – emanava calma e serenidade, como quando estamos
nos braços de quem amamos. Não havia como sentir medo, principalmente com um
céu azul acima.
O carro parou de frente com um grande portão de grades
monstruosas. Foi à primeira vez que notei a mansão ao longe; dali era um nada
aos olhos nu. Ela foi ficando cada vez maior à medida que aproximávamos pelo
terreno. Os portões se abriram assim que paramos, como se nos esperasse.
Como descrever a mansão? Grande...grande demais. E linda.
Excepcionalmente linda. Era toda de vidro, mas não se podia ver nada dentro –
apostava que podia se ver tudo de dentro pra fora. Dezenas de janelas de madeira
branca cobriam a mansão, dando um toque
antigo ao lugar. A porta da frente estava aberta e um menino deixou a cabeça
cair quando nos viu, curioso. Ele gritou algo para dentro da casa quando viu o
táxi e desapareceu.
Alice abriu a porta do carro e saiu, fizemos o mesmo.
Caminhei ao lado de Kris pela grama esverdeada e macia. Depois de termos saídos
Alice pagou e agradeceu ao motorista, que voltou para a estrada. Olhei ao
redor: lar dos sonhos. Tão espesso e intenso a natureza que deixaria qualquer
um sem ar e boquiaberto. Ao longo de todo os lados era apenas grama, como um
longo jardim. Algumas dezenas de metros vi o que pareceu ser um
estábulo...cavalgar observando os pássaros voando no céu devia ser a melhor
experiência de todas.
Subimos nove degraus até a porta principal – a escada
brilhava de tão branca...era também de madeira e o corrimão de vidro
transparente.
Kristen foi à frente, já que o amigo era dela, e tocou a
campainha. Meio segundo depois um serviçal nos recebeu.
– Bem vindos à mansão de Lockwood – e dirigiu-se somente a
Kris, com uma reverência. – Há quantos séculos não há vejo, srt. Smain. Um
prazer imenso em vê-la.
– O prazer é todo meu Carlos – Kris retribuiu a reverência.
Carlos sorriu corado.
– Entrem. Senhor Lockwood os esperam.
E entramos na mansão de vidro.
Cathy Lohan e os Espíritos da Morte
Por: Carol C.